"Temo pelo futuro da arbitragem portuguesa sem o Vítor Pereira"
O militar Famoso pelas suas arbitragens 'à inglesa' é um dos mais fervorosos adeptos da profissionalização dos juízes de futebol e também do uso das novas tecnologias. E diz que Vítor Pereira é o melhor presidente de sempre do sector
É um defensor da profissionalização dos árbitros como forma de aumentar a qualidade da arbitragem. Como?
Primeiro, porque vai trazer mais responsabilidade e, portanto, maior competência. Os jogadores profissionais também erram, também deixam a bola passar entre as pernas, mas erram menos do que os amadores, assim como as equipas profissionais são mais competentes do que as amadoras.
Há quem defenda que de incompetentes amadores passaremos a ter incompetentes profissionais...
Com a profissionalização, o árbitro vai passar a treinar a horas normais e não depois de um dia de trabalho - 50 por cento dos árbitros portugueses são licenciados e ocupam cargos de responsabilidade cansativos. Treinar depois das 19 horas não faz sentido, tanto mais que é tempo tirado à família, um factor de estabilidade enorme na vida de um árbitro. Com a profissionalização, fica também resolvido o problema day after. Nem se imagina como é penoso ir trabalhar no dia seguinte a uma arbitragem que correu mal... é uma situação muito desconfortável, pela qual o árbitro passará a ser poupado. Por último, e mais importante, o treino passará a ser mais competente. O árbitro terá acompanhamento durante toda a semana e o seu trabalho no último jogo será analisado com a ajuda de um técnico. Esta fase de scalping é muito importante.
Disse numa entrevista que uma das suas melhores arbitragens decorreu do facto de ter tido a ajuda do treinador José Peseiro...
Exactamente, foi num jogo entre a U. Leiria e o FC Porto. José Peseiro explicou-me como jogavam as duas equipas, nomeadamente a União de Leiria, então treinada pelo Jorge Jesus. Por exemplo, que os cantos directos eram por regra marcados ao segundo poste e os indirectos ao primeiro. E isso facilitou-me muito o trabalho porque soube exactamente onde me colocar.
"Quem quer palhaços, paga" - é uma frase de Olegário Benquerença. Quanto deverá ganhar um árbitro profissional?
Um árbitro português com alguns anos de serviço ganha, em média, 2000 euros líquidos por mês. Nesta fase experimental da profissionalização, a alteração está no subsídio de treino, que passa de cerca de 400 euros brutos para 1000 euros brutos. Em média, um árbitro ganha em Portugal entre 20 e 25 mil euros por época - em In- glaterra, cerca de 115 mil euros. Com a profissionalização julgo que o valor terá pelo menos de dobrar.
Há árbitros que vão perder dinheiro... Pedro Proença recusou participar na experiência-piloto precisamente por isso.
Nesta fase sim, mas daqui a quatro ou cinco anos os árbitros estarão adaptados ao novo modelo. Aliás, para subir ao I escalão terão de aderir ao projecto, sendo certo que ninguém os obriga a subir ao I escalão e muito menos a serem árbitros profissionais.
O financiamento da arbitragem profissional é uma questão complicada. De onde acha que deve vir o dinheiro que servirá para pagar aos árbitros?
Isso não sei. Concordo que tem de haver uma enorme clareza e transparência. A arbitragem não pode ser financiada de maneira pouco clara ou dúbia. Talvez através de contratos de imagem. Neste momento, temos apenas um contrato de publicidade com uma empresa imobiliária.
Com a profissionalização, como se punem os erros cometidos nos jogos? Despedimento por justa causa em situações-limite?
Os jogadores quando falham uma grande penalidade são despedidos? Não. Pagam multa? Não. Entendo que um árbitro, tal como um jogador, é obrigado a um comportamento profissional irrepreensível. Eu, por exemplo, não vou a festas nos dias que antecedem os jogos. Agora, erros técnicos, falhas técnicas... todos têm. E, por jogo, os atletas falham muito mais do que o árbitro. Uma arbitragem com duas ou três falhas já é uma desgraça.
Um jogador pode ser dispensado, pode ir para o banco...
Relativamente aos árbitros, a Inglaterra resolveu esse problema garantindo à, partida, dois anos de contrato na I divisão, o que rende a cada árbitro cerca de 250 mil euros. Os que não tiverem qualidade descem de divisão, onde vão estar mais dois anos a receber 50 por cento daquele valor. Ou seja, em quatro anos, recebem 375 mil euros, verba que a maioria dos cidadãos recebe em 15 anos de trabalho. Se não servem para a arbitragem vão à procura de outra profissão. É a lei do mercado. Os melhores ficam, os piores saem.
Defende contratos de curta duração...
Claro. O árbitro não pode estar sempre a pensar no subsídio. Quem é competente arranja sempre trabalho. O árbitro não pode ter aquele espírito de manga de alpaca. Ninguém é obrigado a ser árbitro e na profissão só podem estar os melhores e só os melhores deverão sobreviver. A profissionalização vai levar à competência, por via da qualidade do treino e dessa eliminação natural. A competitividade nunca fez mal a ninguém.
A crítica e os adeptos vão ser muito mais exigentes com o árbitro profissional. Os árbitros estão preparados para isso?
Pressão é o nosso dia-a- dia. Há em Portugal quem seja mais castigado do que os árbitros? E não digo isto por nos chamarem incompetentes. Essa é uma crítica que até poderia aceitar. Mas não. Acusam--nos de estar a ver o lance e de não marcar, como se o fizéssemos voluntariamente. Quantas vezes o espectador e o árbitro saem do campo a achar que foi um boa arbitragem e depois a televisão prova o contrário? Nada mais expõe um árbitro do que a televisão. Por isso mesmo é que defendo - se não podemos vencer a televisão, temos de nos juntar a ela e passar a usá- -la a favor da arbitragem.
Foi um dos que estiveram na Assembleia da República na defesa do recurso a novas tecnologias. Que aspectos sairiam mais beneficiados com o recurso à televisão, por exemplo?
Nesta matéria estou contra a FIFA porque não aprova nem deixa aprovar uma lei que seria muito bem-vinda. Sobretudo, a favor de três aspectos: a avaliação da legalidade de um golo no fora-de-jogo, os cartões vermelhos e as grandes penalidades.
Queixou-se há pouco das acusações aos árbitros que, apesar de estarem bem colocados, julgam mal um lance. Como é possível não verem o que têm na frente dos olhos?
Essa pergunta é-me feita pelos meus alunos. E a melhor resposta é levá-los para dentro de um campo para arbitrarem um jogo. Nessa altura percebem como é possível isso acontecer. Claro, há situações de pura incompetência na arbitragem. Mas elas existem em Portugal como no resto do mundo.
Como classifica o árbitro que marcou o polémico livre a favor do FC Porto no jogo da Champions?
Foi uma marcação incorrecta, embora alguns especialistas tenham dito o contrário. Não reciclam os conhecimentos e depois dá nisto. E foi incorrecta por várias razões, mas a principal é que o livre tem de ser marcado no lugar da infracção e este foi marcado muito mais à frente.
O processo "Apito Dourado" marcou a arbitragem pela positiva ou pela negativa?
Das duas maneiras. Pela negativa, uma vez que salpicou injustamente toda uma geração. Foram todos metidos no mesmo saco. Pela positiva porque assustou quem pudesse ter uma postura menos correcta, quer árbitros quer dirigentes. Provou que o crime não compensa.
Este ano, a arbitragem tem sido muito contestada. E tem tido vários casos envolvendo árbitros conceituados, como o Olegário Benquerença, o Pedro Proença...
Todos os anos é a mesma coisa.
O Benfica está a ser beneficiado?
Todos os anos ouvimos dizer que há um clube beneficiado. Para já, neste ano, há eleições na Liga, o que ainda provoca maior crítica.
O facto de este ano apenas um clube ter acesso à Champions traz os candidatos ao título mais nervosos?
Também é um factor, mas a história é antiga - errar é humano e atribuir a culpa aos árbitros ainda mais. Todos os anos se diz que é o pior de sempre na arbitragem.
Esta época foi o próprio presidente da Arbitragem quem fez a mais severa crítica, ao admitir que nem sempre foi garantida a imparcialidade...
O Vítor Pereira nunca esclareceu, mas essa frase foi um dos lemas escolhidos para esta época - "garantir a imparcialidade". E, por isso, foi usada nesse sentido e não no sentido de terem sido cometidos erros maldosos e voluntários.
Hermínio Loureiro não vai recandidatar-se. Acredita que Vítor Pereira poderá continuar com um novo presidente da Liga?
O Vítor Pereira é o melhor presidente da arbitragem de sempre. Tem sido muito criticado, mas quem o critica não sabe o bem que ele tem feito à arbitragem. E digo isto não por ter alguma coisa a ganhar, até porque estou em final de carreira, mas por ser verdade. Ele elevou imenso a fasquia durante estas últimas quatro épocas. Sem ele temo pelo futuro da arbitragem.
Não vê substituto?
Para substituir o Vítor Pereira só vejo o Vítor Pereira. Já se sabe que não há insubstituíveis, mas, neste caso, e ainda por cima nesta fase da arbitragem, a saída de Vítor Pereira pode ser muito negativa.
E para substituir Hermínio Loureiro?
Também não sei. Gostei bastante do trabalho dele, sobretudo pela credibilidade que trouxe à Liga.
Começou o processo judicial relativo a uma suposta fraude nas classificações dos árbitros. Acredita que agora o procedimento é correcto?
Nos últimos quatro anos não tenho qualquer dúvida sobre a honestidade que é colocada no processo classificativo. Podemos não concordar com uma ou outra nota - eu também nem sempre concordo -, mas há lisura e verdade no processo. Se há matéria em que ponho as mãos no fogo é essa.
Este ano teve duas lesões, daí estar a ter uma época mais apagada. Qual foi o pior jogo?
Foi o Sporting- -Académica, que até correu bem do ponto de vista da arbitragem. No entanto, já estava a sentir a lesão e passei uma parte do jogo a passo. O melhor, pela emotividade, foi o Lordelo-Leixões, da Taça.
O pior 'day after'...
O dia seguinte ao jogo da Taça da Liga entre o Setúbal e o Sporting, uma semana após a morte do meu pai. Insisti em fazer esse jogo, mas a ressaca foi violenta. E o jogo até correu bem.
Dos jogos que faltam, qual o de maior risco para a arbitragem?
Talvez o Benfica-Sp.Braga, que vai ter lugar daqui a quinze dias.
Que árbitro nomearia ou acha que vai ser nomeado?
Pedro Proença, Duarte Gomes, Olegário. E não podemos esquecer o Jorge Sousa, que foi o melhor classificado na época passada.
Tem mais um ano de arbitragem. Gostava de ter funções no dirigismo?
Não. Uma das minhas paixões é a comunicação social - gostava de escrever sobre arbitragem, sobre futebol, sobre o treino.
Olegário Benquerença vai ao Mundial da África do Sul por ser o árbitro mais cotado. É o melhor árbitro português?
Destaco três - Olegário, Duarte Gomes e o melhor de todos, o Pedro Proença.
Tem sido contestado esta época...
Também falha, mas é muito bom psicológica e fisicamente. E, apesar de não querer ser profissional, é um profissional.
O que é que distingue os grandes árbitros da excelência que se atribuía a Collina, eleito o melhor de sempre?
Se o Vítor Pereira fosse careca tinha sido o melhor do mundo.
Melhor do que o Collina?
Pelo menos tão bom como o Collina - a vantagem do Collina era o aspecto de ET, que lhe permitiu sempre entrar em jogo com 50 por cento da arbitragem controlada.